Algo que eu sempre achei intrigante, como amante do futebol,
foi o fato de campeonatos como a Premier League (campeonato inglês), a
Bundesliga (campeonato alemão) e a NFL (liga estadunidense de futebol americano)
terem os estádios cheios em praticamente todos os jogos. Então eu comparo com a Série A do
nosso querido Campeonato Brasileiro de Futebol, em que a melhor média de
público é a do Corinthians com 25.212 espectadores por jogo e uma taxa de
ocupação média do estádio de 63%. Esse desempenho é impressionante para os
padrões brasileiros de organização de futebol, no entanto para os padrões dos
países citados seria um atestado de desperdício de recursos, pois mais de
14.000 lugares em média deixaram de ser ocupados.
Logo nos debates esportivos aparecem teorias para explicar
essa diferença de público entre os torneios brasileiros, ingleses e alemães.
Duas se destacam. A primeira teoria é que ingleses e alemães gostam mais de
futebol do que os brasileiros, portanto aqueles estão mais dispostos a assistir
todos os jogos do time do coração, mesmo que o jogo seja contra um time
pequeno desconhecido que acabou de subir da divisão inferior, ou mesmo que o
jogo seja num dia em que as condições meteorológicas não favoreçam ao
comparecimento a ambientes abertos. Essa teoria é a preferida dos dirigentes
incompetentes e de alguns jornalistas aliados daqueles.
A segunda e mais aceita teoria é a incompetência gerencial de
todos os dirigentes do futebol brasileiro. Essa teoria diz que os dirigentes
não têm conhecimento, habilidade ou vontade para encher os estádios em todos os
jogos dos seus times. É uma teoria muito difundida e tem um fundo de verdade. Muitos
dirigentes administram os clubes de forma patrimonialista, distribuindo
ingressos “gratuitamente” para outros dirigentes, conselheiros, sócios,
torcidas organizadas, jornalistas com o objetivo de conseguir apoio político
dentro do clube (ou fora do clube, no caso dos jornalistas) ou, simplesmente,
para silenciar uma potencial oposição. Também desconhecem ferramentas gerenciais básicas como os 4 P's do Marketing ou gerenciamento da capacidade da Gestão de Operações. Essa teoria da incompetência gerencial não está errada, mas não é suficiente para explicar a baixa frequência do torcedor brasileiro aos estádio.
No entanto, um terceiro fator é desconsiderado nessa questão
dos estádios vazios no Brasil: a intervenção estatal. Vamos tentar explicar. Os
times ingleses da Premier League têm média de ocupação dos estádios passando os
90%. O Manchester United, por exemplo, tem média de público de 75.387 espectadores por jogo, possuindo um estádio com capacidade para 75.811, média de ocupação de 99,4%. Como os
times ingleses conseguem isso? Simples, o time vende todos os ingressos antes de começar
a temporada em forma de carnê. Um torcedor antes de começar a temporada compra
um carnê com todos os jogos do time em casa na temporada. Não há venda de
ingressos para um único jogo. Com a exceção do mercado secundário, comprar de segunda mão.
Old Trafford Stadium em um dia de jogo qualquer. |
Então você se pergunta o que venda de carnês para toda temporada tem a ver com intervenção estatal. Tem a ver simplesmente porque o Código de Defesa do Consumidor, em seu artigo 39, proíbe tal prática, chamada informalmente de venda casada. A penalidade para tal prática é multa. Os nossos dirigentes podem até tentar vender uma parte dos assentos no estádio em forma de carnê para toda temporada, mas não podem vender a lotação do estádio todo dessa forma, sem deixar de vender para aqueles que querem assistir a um único jogo (normalmente clássicos e finais de campeonato são os mais escolhidos). O resultado disso é que a venda de carnês para toda temporada no Brasil é um fracasso. Se há opção de comprar apenas os ingressos para os melhores jogos, os jogos menos visados são escanteados. Outro atrativo do espetáculo, o estádio lotado, é um grande atrativo nesses eventos. Torcedores que escolhem um jogo por este atrativo também preferiram comparecer aos grandes jogos e evitaram os jogos com menos público.
Portanto a intervenção estatal, nesse caso, objetivando defender o consumidor, termina por fazer o oposto, entregando um produto de menor qualidade, pois se um estádio cheio é um aspecto desejado ao assistir um evento esportivo, então o código acaba por causar mais jogos com baixo público e utilização ineficiente das capacidades dos estádios, que muitas vezes são estatais. O consumidor não é idiota ou um pobre coitado que precisa de uma atitude paternalista para defendê-lo. O mercado fornece outras opções, quando opera livremente. Entre essas opções está a de simplesmente não consumir. Pela média de público dos estádios, parece que foi essa a opção escolhida pela maioria dos torcedores, mesmo com a intervenção estatal para "ajudá-los".